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Por que robôs nunca serão líderes


Eu nunca entendi por que alguns quadros são tão caros.

Esse aqui, por exemplo:


O que parece é um rabisco contínuo numa lousa que eu, você e qualquer pessoa seria capaz de fazer é um quadro pintado por Cy Twombly em 1968 e arrematado por 70,5 milhões de dólares em um leilão em 2015.


Você provavelmente já viu notícias similares sobre quadros arrematados por valores astronômicos.


A pergunta que eu sempre me fazia era: o que será que eu não estou vendo?


Se tem alguém pagando tudo isso por um quadro, independente do motivo, é sinal de que as curvas de oferta e demanda se encontraram nesse preço e com isso não há muito o que discutir.


Mas aí me dei conta de que essa reflexão sobre os quadros pode ser aplicada à realidade de cada um. Você pode achar um absurdo alguém pagar 30 mil reais numa bolsa, enquanto a pessoa que comprou a bolsa pode não entender como você é capaz de gastar 350 reais em uma camisa de time de futebol.


A questão, portanto, está na maneira como cada um de nós atribui valor às coisas.

O que está mudando, no entanto, é que existe alguém que vem descobrindo o que você mais valoriza antes mesmo de você se dar conta disso.



"Como a Target descobriu que uma adolescente estava grávida antes do pai dela"


A Target (varejista dos EUA) usou um algoritmo poderoso para prever a gravidez de uma adolescente com base em suas compras antes mesmo que ela compartilhasse com o pai.


Histórias como essas são comuns, corriqueiras e você provavelmente já comprou algo induzido por algum algoritmo que sabia exatamente o que você precisava. Tem gente que se recusa a acreditar nisso, mas a verdade é que não existe pessoa mais manipulável do que aquela que atribui todas as suas ações apenas ao seu livre arbítrio (e elas são muitas).

Se a inteligência artificial está sabendo mais sobre o que você valoriza, então o autoconhecimento deixa de ser um luxo e vira necessidade básica para que você não se torne uma pessoa totalmente à mercê de sistemas que estão te bombardeando de estímulos para tomar o seu dinheiro.

O que acontece, seja com quadros ou com fraldas, é que o valor atribuído às coisas depende completamente do contexto. E essa palavra é central para entender o que se espera de líderes num mundo dominado por máquinas.

Contexto vem do latin contextus, “o que é entrelaçado”. A palavra “têxtil” tem a mesma origem. No final do dia, nós compramos contexto. Compramos a satisfação de necessidades que surgem do ambiente ao nosso redor.


Contexto é saber que uma garrafa de água pode valer 1 centavo na beira do rio e 1000 reais no meio de um deserto.


Contexto serve como o conjunto de circunstâncias que levam alguém a atribuir valor a alguma coisa.


Aos poucos a gente começa a distinguir o valor que a inteligência artificial é capaz de descobrir (ao te vender o que você nem sabia que queria comprar) e o valor que apenas pessoas são capazes de capturar. Inclusive, quando perguntei ao ChatGPT qual o valor que apenas um ser humano é capaz de entregar e ele não, a resposta foi:


Não quer dizer que não tem gente tentando ensinar isso às máquinas. Porém, é ali no item 3 que existe um limiar ainda em debate e que revela uma imensa necessidade de lideranças consciente.

O MIT Moral Machine é um projeto de pesquisa que usa uma plataforma online interativa para explorar dilemas éticos em acidentes de trânsito envolvendo veículos autônomos. As respostas dos participantes ajudam a informar discussões sobre a ética da programação desses veículos, fornecendo insights para o desenvolvimento dessa tecnologia. Você pode acessar o site e se deparar com diversos dilemas e decidir o que você faria em cada situação. Que começa com essa aqui:



Se, em uma determinada situação, o carro autoguiado só tiver as opções de 1) matar os passageiros para salvar os pedestres ou 2) matar os pedestres para salvar os passageiros, qual solução você ensinaria para a máquina?

Talvez você tenha hesitado e não decidido até agora ou talvez você tenha respondido instantaneamente coisas do tipo:

  1. Mataria os passageiros porque eles são os responsáveis pelo carro e os pedestres não tem nada a ver com isso

  2. Mataria os pedestres porque o carro é feito para proteger os passageiros acima de tudo, afinal eles quem pagaram por ou são os clientes do carro.

É possível discordar de ambas com argumentos consistentes, mas a pergunta na verdade é: por que para você foi tão fácil tomar uma decisão sobre a morte de alguém? E, para quem não conseguiu responder: por que você não conseguiu fazer uma decisão que pode custar vidas?


Não tem como ficar confortável com nenhuma situação. E é para isso que é fundamental identificar contexto. Porque, por exemplo, se um dos passageiros ou pedestres for alguém da sua família, existe uma probabilidade alta de você reconsiderar sua resposta.

Para resolver isso, existe uma primeira qualidade necessária: a humildade.

"Para todo problema complexo, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada." - H. L. Mencken

O nosso instinto mais primitivo está sempre exigindo de nós soluções rápidas para as nossas necessidades básicas: segurança e sobrevivência. É por isso que tanta gente cai em esquemas de pirâmide ou gasta fortunas com livros e palestras motivacionais que oferecem soluções simples. O simples poupa energia e tempo. O complexo exige muito de nós. Quem se treina para navegar no complexo, portanto, desenvolve em si uma habilidade de liderança mais avançada e preparada para o que está por vir.

Dito isso, existem três competências que ajudam a caracterizar as lideranças do século XXI. Cada uma delas de uma natureza distinta:

  1. Discernimento de funções - elas sabem liderar dois tipos de colaboradores: as pessoas e os robôs. E sabem estimular o melhor que cada um pode entregar, sem confudi-los.

  2. Julgamento ético - elas sustentam uma hierarquia clara: pessoas acima de robôs, sempre.*

  3. Força dialética - elas sabem sustentar paradoxos e dilemas em formas de conversa até que a melhor solução apareça

*Inspirado nas Três Leis da Robótica de Asimov.


Ao fazer isso, essas lideranças se tornam capazes de compreender contextos que ninguém mais havia compreendido antes e, com isso, tomar decisões que beneficiem a maior quantidade possível de públicos - ou seja - gerar o maior valor possível. Essa liderança é, talvez, a única capaz de não permitir que o ser humano se submeta às máquinas, porque ela tem consciência suficiente para perceber onde está o valor que nem mesmo os mais complexos algoritmos são capazes de encontrar.


Qual valor é esse? O próprio ChatGPT me contou, quando perguntei: o que uma pessoa só consegue adquirir com outra pessoa e nunca com um robô?. Eis a resposta:

Uma pessoa só pode comprar a experiência autêntica de interagir com outra pessoa, algo que um robô não pode proporcionar. A conexão emocional, empatia e relacionamentos pessoais são exemplos de coisas que só podem ser obtidas através da interação humana. A interação humana oferece uma profundidade e riqueza únicas que não podem ser completamente replicadas por robôs. Embora a tecnologia possa facilitar a comunicação, as interações humanas genuínas continuam sendo algo especial e valioso que não pode ser substituído por robôs.


Quem diria que, no final do dia quando os robôs tiverem tomado conta de tudo, daremos real valor à interação humana?

Seja em setores como entretenimento, saúde, educação ou qualquer outro, a oportunidade que surge é a de se terceirizar para os robôs as tarefas que geram pouco valor ao intento de elevar a humanidade ao seu nível máximo para que as tarefas que sobrem para fazermos sejam não só aquelas que geram mais valor para quem recebe, mas também para quem oferece. Aí, reside uma oportunidade de transformação social que, se bem conduzida, pode fazer com que sociedades inteiras possam experimentar o verdadeiro significado de dignidade e justiça.

Mas, para isso, vamos precisar de muitas lideranças assim.

Quem serão elas?

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